Com alta na procura, preço dispara e cloroquina some das farmácias

A procura deve aumentar mais depois que o governo publicou um protocolo pedindo aos médicos que receitem a droga a pacientes com sintomas leves de covid-19.

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“Quando meu remédio faltou, meus membros passaram a doer tanto que entrei no hospital mancando e saí em uma cadeira de rodas.” O medicamento a que a autônoma Maria Raquel Miranda, 56, se refere é a hidroxicloroquina, em falta nas farmácias desde que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) passou a defender o uso dela e da cloroquina para o tratamento da covid-19.

Maria Raquel sofre de doença mista do tecido conjuntivo, “parente do Lúpus”, inflamação provocada pelo próprio organismo que só é tratada com ajuda do medicamento. Sua pele forma rachaduras profundas e as articulações doem.

A procura pelos remédios deve aumentar ainda mais depois que o governo publicou na semana passada um protocolo pedindo aos médicos que receitem a droga a pacientes com sintomas leves de covid-19. O desabastecimento, no entanto, já afeta Maria Raquel e quem precisa do composto para tratar doenças como lúpus, artrite reumatoide e malária.

Se em janeiro houve 6.940 buscas por hidroxicloroquina na plataforma Consulta Remédios, em maio (até o dia 21) elas somaram 488.152, segundo a empresa, com 20 milhões de usuários. Portanto, a procura aumentou cerca de 70 vezes.

As reclamações sobre a dificuldade de encontrar a droga surpreenderam a Associação Brasileira Superando Lúpos, Doenças Reumáticas e Raras. Em janeiro, antes da pandemia, foram registradas 121 reclamações. Nos 22 primeiros dias de maio, elas somaram 1.279.

O pico de vendas se deu em 21 de março, quando apenas os dois compostos foram responsáveis por um aumento de 93% nas comercializações de remédios voltados para tratar o sistema músculo-esquelético (afetado pelo lúpus e reumatismo), segundo a Interplayers, consultoria do ramo de saúde que mediu o aumento da venda de cloroquina e hidroxicloquina nas drogarias.

Graças a isso, o faturamento das farmácias com a venda desses componentes também subiu: cresceu 75% entre fevereiro e abril em relação aos três meses anteriores e quase dobrou (95%) na comparação com o mesmo período de 2019, diz a filial brasileira da consultoria IQVIA, especializada em dados do setor de saúde.

Naquele 21 de março, Bolsonaro anunciou que os laboratórios químicos e farmacêuticos do Exército brasileiro ampliariam sua produção de cloroquina. Na época, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, começou a falar sobre a suposta eficácia da substância em relação ao novo coronavírus. A declaração de Trump criou uma corrida por hidroxicloroquina em farmácias de Washington, capital americana.

Preços nas alturas

A procura foi tanta que os preços aumentaram, ao mesmo tempo em que as drogas desapareceram das prateleiras. “Quando eu finalmente encontrei o remédio, queriam me cobrar uma fortuna”, diz Maria Raquel, que usa um medicamento manipulado.

“Em dezembro eu paguei R$ 240 por uma caixa com 120 comprimidos. Agora, me cobraram R$ 545 e ainda disseram que tinha desconto”, disse Raquel.

Brasil precisa importar

Apenas quatro farmacêuticas fabricam os medicamentos no Brasil. A Farmanguinhos, da Fiocruz, é a única a produzir cloroquina, toda ela destinada ao SUS (Sistema Único de Saúde).

Já a hidroxicloroquina — a versão mais branda do remédio — sai das fábricas do Exército para o sistema público de saúde, enquanto os laboratórios privados Apsen e EMS fornecem a droga para as farmácias e rede privada de saúde.

Para produzir os comprimidos, o Brasil precisa importar a matéria-prima de países asiáticos, principalmente da Índia, que no final de março proibiu a exportação dos insumos a fim de usá-los na fabricação local do medicamento. A dificuldade de importar e a alta de 30% na cotação do dólar este ano fizeram os preços subirem, justificam os laboratórios.

Outra razão para o aumento dos preços e da falta do produto é que “os governos de Minas Gerais, Paraná e Pernambuco fizeram confisco de insumos médicos para uso em hospitais”, segundo o CEO da Abrafarma (Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias), Sergio Mena Barreto.

As farmácias, no entanto, também são responsáveis pelo aumento de preços, diz a coordenadora do programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Ana Carolina Navarrete. Ela observa que a Cmed (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) permite que o teto de preço dos remédios seja tão alto que, em tempos de crise, os reajustes ficam abusivos.

“Essa regulação de preços não é capaz de refrear aumentos abusivos. As referências de preços para o teto determinado pela Cmed são de países com realidades muito diferentes da brasileira”, opina Navarrete.

“Não tomem esse remédio”.

Maria Raquel lembra, indignada, do dia em que, sem encontrar a hidroxicloroquina, acabou de cama. “Sem ela eu travo. Naquele dia, eu não me abaixava mais. Fiquei tão mal que, quando tive alta, saí do hospital em uma cadeira de rodas”.

“Se eu pudesse, diria para quem tem covid-19 que não use esse remédio. Ele tem muitos efeitos colaterais para quem já precisa. Só eu sei a dor que passei até chegar ao uso da hidroxicloroquina. Fiz muito exame, tomografias. As pessoas não tem noção do perigo”.

 

*Com informações do Uol*