Vídeo mostra casa cheia de tiros onde estava João Pedro ao ser morto no Rio

João Pedro foi baleado durante uma operação da Polícia Civil e da Polícia Federal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio.

Vídeo mostra casa cheia de tiros onde estava João Pedro ao ser morto no Rio

Um vídeo gravado e obtido pelo UOL na casa onde o adolescente João Pedro Matos, 14, foi morto na tarde de segunda-feira (18) mostra inúmeras marcas de tiros nas paredes externas e internas do imóvel.

Em menos de um minuto de vídeo, é possível verificar que foram feitos disparos em diferentes cômodos da residência, principalmente na sala e no quarto. No chão, há também manchas de sangue. O imóvel também aparece revirado.

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João Pedro foi baleado durante uma operação da Polícia Civil e da Polícia Federal no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio. Familiares e amigos da vítima relataram que ele brincava no quintal da casa de um tio, quando policiais invadiram o imóvel e o atingiram na barriga. Já a Polícia Civil alega que o adolescente foi atingido durante uma troca de tiros entre bandidos e policiais. O caso foi denunciado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) por dois deputados do Rio.

O pai do adolescente, Neilton Costa, disse na manhã de hoje que a família está a base de calmantes e que passou a noite em claro, após enterrar o filho na tarde de ontem. Ele voltou a acusar a polícia de mentir sobre a versão do crime.

“Não entrou bandido nenhum aqui. Eles viram que fizeram coisa errada. Quando chegamos, não nos deixaram entrar. Falaram que tínhamos que aguardar a perícia, mas ela nem chegou. Ficamos 17 horas procurando meu filho e fui achar ele no IML com um tiro de fuzil. Eles acabaram com a minha vida, destruíram minha família. Estamos a base de calmantes, passei essa noite em claro”, desabafou ao UOL.

A PF e a Polícia Civil do Rio alegaram que houve confronto na região, após seguranças de traficantes tentarem fugir pulando o muro de uma casa, efetuando disparos e arremessando granadas contra os agentes. A operação tinha como objetivo o cumprimento de dois mandados de busca e apreensão contra lideranças do tráfico na localidade.

João era aluno do nono ano do ensino fundamental de uma escola particular. Comerciante, Neilton disse que o filho queria fazer faculdade de direito. “Era um menino que vivia da casa para a escola, da casa para igreja e jogava no celular.

Ele estudava, excelente aluno, excelente filho. Queria ser advogado. A polícia interrompeu o sonho do menino”, disse. Perguntado sobre os meninos que estavam na casa, Neilton afirmou que o sobrinho está em choque.

“Ele (o primo que estava no local) está muito abalado, quase não fala, não come. Ele se sente mal por ter chamado e levado o João lá para brincar. Eles não têm culpa de nada. A culpa é da polícia”, disse Neilton Costa, pai de João Pedro Matos.

Ao programa Encontro, da TV Globo, os pais disseram que os adolescentes foram encontrados sentados no chão, fora da casa.

“Chegamos lá e encontramos os adolescentes fora da casa, no chão, como bandidos, como porcos, como lixo. Coisa que eles não são. Cinco adolescentes, mas o total era seis. Faltava um e esse um era o meu filho, que já estava baleado. Botaram ele num blindado e levaram para socorrer. E eu perguntando: ‘o que aconteceu?’ Fomos encontrar o meu filho depois de 17 horas no IML (Instituto Médico Legal) com um tiro de fuzil, morto”, descreveu o comerciante.

“É um sentimento que não desejo para o meu pior inimigo. Perder um filho é como arrancar algo de dentro. Não tem explicação você perder uma criança que você amou, cuidou, fez planos para o futuro. De uma coisa de minutos, de horas, esse sonho foi por água abaixo”, afirmou.

“Deram muitos tiros”

João, os primos e amigos estavam em uma casa na Praia da Luz, em São Gonçalo, jogando sinuca quando perceberam um helicóptero da polícia sobrevoando a região. Em um áudio publicado na internet por um primo do adolescente morto, um dos jovens conta que chegou a gritar para os polícias que só havia criança no imóvel.

“Eles [a polícia] começaram a dar tiro na direção do morro e a gente correu para dentro de casa, todo mundo deitou no chão. Viram os policiais entrarem se agachando no deck da piscina. M. começou a gritar dizendo que só tinha criança. Tacaram duas granadas na porta da sala. Ficou um zumbido. Deram muitos tiros na janela. A gente correu para o quarto. Nisso que a gente correu para o quarto, João e E. ficaram deitados na copa. Os policiais entraram e mandaram a gente deitar e calar a boca. Olhei para frente, João estava deixado, mas não sabia o que tinha acontecido. O policial viu a pulsação dele”, contou um dos rapazes que não teve a identidade revelada.

De acordo ainda com o relato, os garotos foram obrigados a colocar a vítima em um carro para que um helicóptero fizesse o resgate dele em outro ponto da comunidade. Os primos foram impedidos de ir na aeronave.

17 horas sem informações

Desde que saiu do imóvel, a família não teve informações para onde o adolescente foi socorrido. Ele foi levado por um helicóptero da Polícia Civil até o grupamento de operações aéreas dos Bombeiros, que fica na zona sul da capital. Segundo os Bombeiros, ele chegou morto no local.

A família de João chegou a publicar uma campanha na internet “Onde está João Pedro” em busca de informações sobre o garoto. Após percorrer hospitais e delegacias, o menino foi encontrado no Instituto Médico Legal (IML) de São Gonçalo.

Denúncia à ONU e à OEA

Ontem, a deputada estadual Renata Souza, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Rio, e o deputado federal Marcelo Freixo (ambos do PSOL-RJ) denunciaram o caso do adolescente à ONU e à OEA. A representação enviada à Comissão de Direitos Humanos da ONU e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos pede que sejam tomadas todas as medidas cabíveis para a responsabilização de todos os envolvidos no assassinato do adolescente. Além disso, o documento cita também a morte de outras 13 pessoas que ocorreu na semana passada no Complexo do Alemão, na zona norte da capital, durante uma operação policial.

“Neste momento de pandemia, nosso principal inimigo deveria ser o coronavírus, o Estado deveria levar para as favelas e periferias ações hospitalares e sociais que garantam a cidadania nestes locais. Precisamos entrar com mais cidadania e menos fuzis. Em nenhum estado de emergência admite-se a flexibilização ou a relativização dos direitos fundamentais à vida e à integridade pessoal, em especial quando se trata de um período de dedicação à manutenção das vidas e do cuidado em saúde. Este fato deve ser considerado na avaliação da inevitabilidade das incursões policiais, já que, em um período de pandemia, a vulnerabilidade social da população tende a aumentar”, avalia Renata Souza.

O documento enviado à ONU e à OEA ressalta ainda que “as execuções sumárias perpetradas pelos agentes das forças policiais brasileiras consistem em prática cotidiana nas favelas e periferias”. No documento, também é solicitado que as comissões desses órgãos adotem todas as medidas que entender pertinentes.

Investigação

A Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) instaurou inquérito para apurar a morte do adolescente e informou que “foi realizada perícia no local e duas testemunhas prestaram depoimento na delegacia”.

Os policiais também foram ouvidos e as armas apreendidas para confronto balístico. “Outras diligências estão sendo realizadas para esclarecer as circunstâncias do fato”.

A delegacia ainda vai ouvir os pilotos do helicóptero da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) da Polícia Civil que socorreram o adolescente João Pedro Matos.

 

*Com informações da UOL*