Estudo inédito mostra que aquecimento global causa mortes, fome e guerras

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As consequências de um planeta cada vez mais quente são bem conhecidas. Aumento do nível do mar, branqueamento de corais, derretimento de geleiras, secas frequentes, destruição de habitats… Poucos, porém, associam essas catástrofes ambientais a tragédias não menos graves. Pesquisas demonstram que assassinatos, conflitos armados e até suicídios estão diretamente relacionados à escassez de recursos naturais provocada pelas mudanças climáticas.

Agora, um mapeamento mundial realizado pela Universidade Anglia Ruskin, na Grã-Bretanha, dá a dimensão do problema. O chamado Mapa do Caos, uma ferramenta interativa, já contou 1,3 mil mortes violentas, de 2005 a 2017, causadas por falta de água, combustível e insegurança alimentar.

O mapa concentra-se nos três recursos naturais — alimento, água e combustível — e, para cada um deles, associa sete tipos de inquietações sociais: tumulto, manifestação, protesto, saqueamento, suicídio e conflito. No período analisado, a maior parte do mundo ocidental, incluindo o Brasil, não tem registros de atos violentos e mortes em decorrência das mudanças climáticas. Contudo, um dos autores avisa: “Todos estamos vulneráveis, essa é uma chamada urgente”, diz Aled Jones, diretor do Instituto Global de Sustentabilidade da universidade.

De acordo com Jones, além de alertar para a gravidade do problema, a ferramenta poderá ser usada para prever tensões associadas a recursos naturais-chave. “Sem uma boa preparação, as tragédias climáticas cada vez mais frequentes, como alagamentos e secas que destroem colheitas, poderão levar à violência de larga escala, além do colapso de mercados futuros”, alerta.

Um dos exemplos que o Mapa do Caos destaca é o do verão de 2016 na Venezuela, quando o preço mundial do petróleo despencou, arruinando a economia do país, extremamente dependente do combustível fóssil, que responde por 95% das exportações. Escassez de alimentos e outros produtos levou milhares às ruas em manifestações violentas, saques e mortes. Vinte e quatro pessoas foram assassinadas e mais de 400, presas. Somente em junho, mais de 200 mil venezuelanos atravessaram a fronteira com a Colômbia em busca de alimentos e remédios. No ano seguinte, 92 pessoas morreram, também em conflitos associados à falta de recursos básicos.

Ao longo do período estudado, o continente africano foi o que mais sofreu as consequências da escassez de água, comida e combustível devido a mudanças climáticas. Em Uganda, por exemplo, a seca prolongada de 2011 causou aumento dessssss preços dos alimentos, levando escassez a um terço dos 112 distritos. Em algumas regiões, o preço de vegetais subiu, forçando populações em maior vulnerabilidade social a consumirem larvas e cupins.

O preço dos combustíveis também aumentou: 50% de janeiro a abril, o que encareceu o transporte e, consequentemente, os produtos. Faminta e enfurecida com a compra de oito jatos presidenciais a US$ 740 milhões, a população foi às ruas em 11 de abril. Nove pessoas morreram, 30 jornalistas foram feridos ou baleados e, apenas em Campala, a capital, 84 manifestantes foram parar em hospitais.

O maior incidente reportado no mapa ocorreu no Sri Lanka, em 2006. O bloqueio aos sistemas de abastecimento de água, consequência de uma guerra política entre o governo e insurgentes do grupo armado Tigres de Liberação do Tamil Eelam, provocou a morte de 425 pessoas.

Desnutrição

Além dos conflitos, uma das consequências diretas das mudanças climáticas sobre a população mundial, em especial nas regiões mais pobres do planeta, é a desnutrição, responsável por quase metade das mortes de crianças com menos de 5 anos. “Os extremos de temperatura e os padrões irregulares de precipitação associados às mudanças climáticas estão afetando a produção de alimentos e a infraestrutura crítica para a distribuição dos mesmos, o que, por sua vez, afeta diretamente os padrões de nutrição da população”, diz Matthew Cooper, pesquisador do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados nos Estados Unidos e autor de um estudo que analisou a relação entre desnutrição infantil e mudanças climáticas.

A pesquisa, cujos dados foram processados e analisados por um software de inteligência artificial, usou dados de 580 mil crianças de 53 países para investigar como os extremos de precipitação — falta ou excesso — afetam o status nutricional de meninos e meninas desde a década de 1990. Os resultados indicam que seca e alagamentos estão associados diretamente a uma piora na nutrição das crianças.

“O fardo é particularmente pesado na África e em partes do sul da Ásia, onde conflitos, fragilidade política e seca são mais prevalentes”, diz o estudo, publicado na revista Pnas. “A seca, em particular, afeta pesadamente as comunidades pobres, especialmente as crianças dos países em desenvolvimento, onde grande parte dos meios de subsistência depende da agricultura familiar. Uma das consequências da má nutrição infantil é o atraso no crescimento — em outras palavras, crescimento e desenvolvimento prejudicados —, que atualmente afeta pelo menos uma em cada três crianças nessas partes do mundo.”

*Com informações Correio Braziliense*