Ao colocar na balança os fatores que podem ser mais prejudiciais à popularidade do governo Jair Bolsonaro nos próximos meses, o comportamento do presidente diante da pandemia do novo coronavírus e um eventual colapso do sistema de saúde brasileiro em um futuro próximo podem ameaçar mais a estabilidade do cargo do que os escândalos políticos que cercam sua família.
Essa é a visão da consultoria Eurasia Group, especializada em análises de risco, que coloca em 25% as chances de que Bolsonaro não conclua o seu mandato — existam 30 pedidos de impeachment contra o presidente esperando análise na Câmara.
“Diante de um escândalo político, uma emergência pública de saúde e uma crise econômica, a presidência de Jair Bolsonaro está em crise mas as chances de impeachment são de apenas 25%”, informa o relatório, que argumenta que os parlamentares demonstram pouca disposição para iniciar um processo de impeachment em meio à pandemia, cenário que só mudaria se a aprovação de Bolsonaro caísse a patamares próximos ao dos outros presidentes que já foram demovidos de seus cargos.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro tem sido crítico das medidas de isolamento social, que considera exageradas e prejudiciais à economia. Já usou o usou o termo “gripezinha” para se referir à covid-19, que já matou quase 8 mil no país (dados desta quarta, 06/05).
Embora a possibilidade de impeachment exista, na visão da Eurasia, um afastamento do presidente dependeria de uma queda muito substancial na base de apoio popular do presidente, que, de acordo com pesquisa mais recente do DataFolha, tem aprovação de um terço dos brasileiros (33%).
“Considerando sua base de apoiadores muito leal, é pouco provável que as taxas de aprovação de Bolsonaro caiam substancialmente a níveis perigosos para o presidente”, prevê a Eurasia. Mas, se caírem, o mais provável é que a pandemia, e não o eventual desgaste pelas investigações que parecem se aproximar de núcleos próximos a ele, seja o que pode derrubar a popularidade de Bolsonaro.
Christopher Garman, diretor gerente para as Américas do Eurasia Group e que assina o relatório, diz que a pandemia de covid-19, que já infectou mais de 114 mil pessoas no país, tornou-se a “grande variável” política para o futuro do governo.
“A pandemia é a grande variável. Se o presidente sofrer um impeachment, será por causa disso”, afirma Garman, em entrevista à BBC News Brasil. “É claro que as denúncias contra o presidente, a família, os filhos, isso pode dar uma base legal para uma moção de impeachment, o fato de ele tentar interferir nas investigações. (Mas) acho que é fácil a base bolsonarista criar uma narrativa que possa proteger o presidente nessa linha. Agora se você tem um colapso no sistema público de saúde nas grandes capitais…isso é uma coisa que pode levar a um colapso maior na aprovação dele”, diz.
“Para mim, a combinação desse colapso no sistema público de saúde, sendo que o presidente se opôs a medidas para tentar forçar o achatamento da curva, com denúncias e crise política, poderiam levar a um impeachment; a combinação dessas duas coisas”, afirma o analista.
Atualmente, três filhos de Bolsonaro estão sob investigação. Ao pedir demissão, o agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro atribuiu sua saída a pressões que o presidente estaria exercendo sobre a Polícia Federal — e que ele classificou de “inadequadas”. Segundo o ex-juiz da Lava Jato, Bolsonaro chegou a pedir informações sobre investigações em andamento, ameaçando a autonomia da corporação, segundo Moro.
Na avaliação de Garman, mestre em ciência política e que lidera a equipe de análises sobre o Brasil da Eurasia, Bolsonaro, diferentemente de outros presidentes que foram afastados ou correram o risco de perder o cargo, depende mais de apoio popular do que de coalizão política para governar.
O relatório da Eurasia cita, como exemplo de contraste, a situação do ex-presidente Michel Temer, que era muito impopular, mas que garantiu sua permanência no poder, mesmo após denúncias contra ele, por ter base de apoio no Congresso.
A Eurasia pondera que, enquanto Bolsonaro contar com apoio de um terço da população, é pouco provável que os parlamentares votem a favor de um impeachment. “O deputado (federal) tem que chegar à conclusão de que votar a favor do impeachment do presidente não vai lhe custar caro nas próximas eleições.”